REVISTA CRÓNICA ILUSTRADA - 1882

In extenso: duas publicações (de número único) importantes de comparar com Crónica Ilustrada: Estudantina (1884) e A Mónaco (1894).

1882

À esquerda: apresentação do n.º 1, Março. 

À direita: nota no 5.º e último número, Outubro.

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imagens: BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA JOÃO PAULO II


PERFIL EDITORIAL

Crónica Ilustrada (Chronica Illustrada) foi a revista oficial do Grupo do Leão que Alberto de Oliveira, "proprietário e director", publicou em 1882, ao longo de cinco números. O primeiro apareceu em Março e o último em Outubro.[1] A partir do n.º 2 acrescentou o sub-título (na contracapa) "Revista artística bi-mensal". As capas ostentaram desenhos de António Ramalho, um para os n.ºs 1-2 e outro para os 3-5. 


Tinha sede na Calçada do Caldas (actual Rua da Madalena), 214, 1.º, Lisboa. Os n.ºs 1-2 foram impressos na Tipografia da Empresa Literária Luso-Brasileira (Pátio do Aljube, 5) e os n.ºs 3-5 na Tipografia Matos Moreira & Cardosos (Largo do Passeio, 15-16, actual Praça dos Restauradores), com impressão litográfica de Justino Guedes.


O texto "Ao leitor" inserto no n.º 1 estabeleceu o programa: dedicava-se a divulgar os pertencentes à "corrente das ideias modernas". Nas "Notas" do último número Oliveira pediu "desculpa para a irregularidade" da periodicidade da revista, que "limita-se a historiar, como pode, este pequenino movimento artístico do nosso país". 


A Crónica Ilustrada contou com 42 colaboradores (Oliveira incluído): 24 nas artes e 18 nas letras. Ver os nomes aqui, assinalados com O. Participaram nove dos nomes centrais do Grupo do Leão: Cipriano, Cristino, Girão, Henrique Pinto, Malhoa, Ramalho, Rodrigues Vieira, Silva Porto, Vaz. Para além dos 42, Oliveira anunciou outros 36, que nunca chegaram a participar (a que se deve acrescentar Antero de Quental), embora um ou dois deles possam corresponder aos pseudónimos Yorick e Pierre Grassou (é possível que um tenha sido utilizado por Jaime Batalha Reis). Ver abaixo o bloco COLABORADORES PREVISTOS.


Anúncio ao primeiro número publicado em O António Maria (n.º 145, 9 de Março de 1882), de Rafael Bordalo Pinheiro 



EXISTÊNCIAS CONHECIDAS

Em 1953, Diogo de Macedo, que possuía "alguns números" (hoje não localizados),[2] escreveu que Crónica Ilustrada era uma "espécie bibliográfica tornada rara e difícil de se encontrar nas bibliotecas públicas" (MACEDO, 1953: 237). No ano seguinte também Varela de Aldemira afirmou que os seus números são "raríssimos nas colecções dos bibliófilos" (ALDEMIRA, 1954: 86). 


Hoje (2023) detectam-se os seguintes exemplares, que incluem pelo menos duas colecções completas:


- Biblioteca Nacional de Portugal

n.ºs 1-5 [P.P. 12047 V.; sem acesso em 2023, em digitalização]

n.º 1 [J. 2587 V.; sem acesso, mau estado]


- Biblioteca Universitária João Paulo II

Fundo Biblioteca Campos Ferreira

Universidade Católica Portuguesa

n.ºs 1-5, encadernado

COLECÇÃO CONSULTADA PARA O PL7885


- Biblioteca de Arte Gulbenkian

Colecção Bordalo Botto

n.º 2 [PBB 1117]

n.º 3 [PRS 227]


- Library of Congress

informação de exemplares n.d.


- Pattee and Paterno Library

Pennsylvania State University Libraries

n.ºs 1-3, encadernado



MEMÓRIA

Ribeiro Artur, que assistiu ao processo, escreveu em 1897: "Com eles [os do Grupo do Leão] se entusiasmava aquele bom Alberto d'Oliveira, chegando ao excesso de publicar um perfumado jornalzinho d'arte, a Crónica Ilustrada". O "'excesso'", escreveu anos depois o extemporâneo Varela Aldemira, "igual a exagero, mesmo num pequeno jornal, sua 'gravura química' a ilustrá-lo, inspirava-se na [La] Vie Moderne, grande revista que o louro Oliveira exalta[va] à mesa dos 'conspiradores', escrevendo aos ausentes a pedir inéditos, sem prometer remunerar 'por enquanto'" (ALDEMIRA, 1954: 86). De facto, as semelhanças com aquela publicação francesa são notórias. 


Alfredo Mesquita (1871-1931) publicou em 1892 um relato do dia em que Oliveira levou à Cervejaria Leão o primeiro número da revista: 


Há onze anos (...) viu-se entrar no Leão, uma noite, o Alberto [de Oliveira], desusadamente esbaforido, sobraçando quatro enormes maços de papel, dois por cada braço (...)... Abanca, deixa cair sobre o mármore da mesa os maços que estrondeiam, deixa-se cair a si póprio sobre a palhinha dum dos bancos, esbufa, sacode a loira juba, atira para trás o largo chapéu, e logo se conserva repousado (...), oito, nove, dez segundos... Súbito, puxa o chapéu para a frente, ergue-se, move os ombros de modo a que bem neles se assentem as costuras da sobrecasaca, estende as mangas e traz à forma os punhos, e como se haja consertado todo, ei-lo que entra a desamanchar os maços. 


Seguiu-se, supostamente, a leitura em voz alta da nota "Ao leitor", publicada nesse n.º 1 (ver imagem nesta secção). No momento estariam presentes, pelo menos, António Ramalho, José Malhoa, Enrique Casanova, Moura Girão, Cesário Verde, Fialho de Almeida e Fernando Leal.[3] 



CERVEJARIA LEÃO

O n.º 1 trouxe uma recensão tardia à primeira Exposição de Quadros Modernos, inaugurada em Dezembro de 1881 na Sociedade de Geografia de Lisboa, intitulada "O salão da Sociedade de Geografia". Era assinada com pseudónimo, Pierre Grassou, cujo nome real não consegui identificar (ver a nota 14 nesta página sobre "Pierre Grassou", personagem de Balzac). O texto começa por descrever o ambiente da Cervejaria Leão:


Saiu dum pequeno grupo de rapazes, que abanca todas as noites depois das 8 no Leão, esta deliciosa colecção de quadros. Z. Segredo[4] descreveu no Diário da Manhã a pacata brasserie com um vigor de tintas, que a equipara ao Bullier;[5] não o acreditem. Z. tem sob a camada superficial de naturalismo a alma de um poeta oriental (Sadï, por exemplo)[6] e não estranhem que ele no meio de uma descrição do Passeio Público cante as rosas como o poeta persa.


A conversa corre um pouco mais animada, se chegaram as Ilustrações ou o Alberto de Oliveira traz algum número de [La] Vie Moderne; apenas Girão fuma cachimbo; não disctuem estética, fazem mais, pintam belas paisagens e a exposição é uma prova; Malhoa e José de Figueiredo jogam bilhar na outra sala (...).



COLABORADORES PREVISTOS

Destes nomes que Alberto de Oliveira planeou ter na Crónica Ilustrada mas nunca concretizou, é interessante destacar Camilo Castelo Branco e Antero de Quental.


Camilo era suposto ter produzido um texto sobre um objecto mostrado na Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola, patente entre Janeiro e Junho de 1882 no Palácio Alvor-Pombal (actual Museu Nacional de Arte Antiga): "Tenciono escrever para a Crónica Ilustrada de Lisboa um artigo acerca da espada que se vê na exposição de arte ornamental e [que] pertenceu aos avós de V. Exc.ª", lê-se numa carta de 11 de Março de 1882 enviada a Francisco de Valadares, 2.º barão de Ribeira de Pena, a quem pedia informações (VALADARES, 1925: 21-22). Tratava-se de uma espada comemorativa, do século XVII. Fialho de Almeida acabou por escrever sobre a exposição no n.º 1 da Crónica, mas não falou do objecto. 


Antero, que Oliveira não refere nas listas de colaboradores previstos, foi convidado via Luís Fortunato da Fonseca. Sabe-se disto por uma carta do poeta de 23 de Março de 1882 (QUENTAL, 1989: 378), revelada por Luiz Teixeira em 1942 (TEIXEIRA, 1942: 83), propriedade de Gualdino Gomes, que explicou o contexto:


(...) Quanto à colaboração que me pede para o tal jornal, não sei bem o que lhe diga. Ando há um tempo tão alheio a tudo quanto é literatura propriamente dita que me julgo já amputado dessa Igreja. Neste momento é quanto lhe posso dizer. Mas tomo nota do desejo que manifesta, para o satisfazer mais tarde, se eu mudar de humores, e o jornal viver ainda a esse tempo. O primeiro número pareceu-me efectivamente fraco, mas não há dúvida que pode melhorar. Quando tanata coisa, que começa ostentosamente, dá em droga, apraz-me esperar mais de quem começa com muita modéstia. Ainda que das nossas coisas, quer literárias quer políticas, quer comecem modesta quer arrogantemente, tudo me parece fadado ao aborto e à mediocridade. A nossa literatura não pode ser senão a expressão da nossa sociedade, que, como sabes, não é exuberante de originalidade. Mas parece-me que é fazer muita filosofia a propósito de um jornalzinho de arte. Assim pois, ponto. (...) 


ARTES

- Adolfo Greno 1854-1901

- Alfredo Carmona ?-?

- António J. Nunes ?-? [talvez António José Nunes Júnior, 1840-1905]

- António Soares dos Reis 1847-1889

- Armando Pedroso ?-? [talvez o gravador e professor da Escola de Belas-Artes de Lisboa]

- Casimiro Fernandes ?-? [tio de Constantino Fernandes, 1878-1920]

- Columbano Bordalo Pinheiro 1857-1929

- Custódio da Rocha 1859-1892

- Eduardo Machado ?-? [talvez o pintor e cenógrafo referido por António Sousa Bastos em 1898 em Carteira do Artista]

- Eugénio Cotrim 1849-1937

- Francisco Baptista dos Santos 1844-?

- Gonçalo Artur da Cruz 1856-1928

- Joaquim Augusto Marques Guimarães 1860-?

- Joaquim V. Ribeiro 1849-1928

- José Augusto de Figueiredo ?-?

- José de Brito 1855-1946

- José Ferreira Chaves 1838-1899

- José Júlio de Sousa Pinto 1856-1939 

- José Maria Pereira Júnior 1841-1921 [dito Pereira Cão]  

- José Moreira Rato 1860-1937

- José Severini 1838-1882 [gravador, espanhol]

- José Simões de Almeida (Tio) 1844-1926 

- Júlio Costa 1853-1923

- Leandro Braga 1839-1897

- Manuel Macedo 1839-1915

- Miguel Ângelo Lupi 1826-1883

- Nuno Novais Ribeiro Júnior ?-?

- Rafael Bordalo Pinheiro 1846-1905

- Tomás Augusto Soller 1848-1883


LETRAS

- Antero de Quental 1842-1891 [não mencionado nas listas publicadas por Alberto de Oliveira]

- António de Macedo Papança 1852-1913 [conde de Monsaraz]

- Camilo Castelo Branco 1825-1890

- Cesário Verde 1855-1886

- Francisco Teixeira de Queirós 1848-1919

- Gervásio Lobato 1850-1895

- Jaime Batalha Reis 1847-1935

- Luís Fortunato da Fonseca 1859-1934



[1] O Ocidente registou a saída de cada número: Março, Maio, Julho, Agosto, Outubro.

[2] Macedo disse ainda: "Num álbum que pertencera a Alberto de Oliveira, carinhosamente conservado em mãos familiares, muitos desenhos daqueles artistas se juntaram com destino à Crónica Ilustrada". Ignoro o paradeiro desse álbum.

[3] É necessariamente um relato a partir do de outros, já que Mesquita tinha 11 anos na ocasião. Cito de uma reprodução não integral, apud SILVEIRA, 1964: 463-465. Silveira cita MESQUITA, Alfredo. "Última crónica". Revista Ilustrada, n.º 60, data não verificável. Lisboa: Mariano Level, Antonio Maria Pereira. Não pude consultar a revista na Biblioteca Nacional de Portugal porque a publicação encontra-se (Setembro de 2023) retirada para digitalização. 

[4] Pseudónimo de Mariano Pina.

[5] Isto é, o Bal Bullier, nome informal do salão de bailes parisiense Closerie des Lilas.

[6] Em rigor, o poeta persa Saadi Shīrāzī (1210-1291 ou 1292).